Por Helena Camarinha, psicóloga

 

A pandemia do novo coronavírus é um enorme quebra-cabeça, repleto de peças que parecem não se encaixar. Peças repletas de nomenclaturas, buscando no ensaio e no erro sentido em definições e classificações existentes. Tecendo algumas questões que andam afloradas na mídia e no imaginário social, pontuamos questionamentos como o estresse versus o estresse pós-traumático, as sintomatologias físicas, emocionais, sociais e seus desdobramentos, além das indagações, preocupações presentes e futuras e apenas algumas respostas.

Nesse percurso, destacamos que o estresse pós-traumático faz referência a um evento passado, mas que permanece presente e atuante na condição emocional do indivíduo. A pandemia ainda é um evento presente, apesar de causar momentos mais ou menos traumáticos na vida de cada pessoa. Podemos definir melhor a situação pandêmica como um evento que traduz estresse, podendo conduzir às vivências traumáticas e, inclusive, à sintomatologia de estresse pós-traumático.

Pontuando a fase inicial do estresse como aquela do alerta, a segunda da resistência, a terceira da quase exaustão e a última a exaustão. Essas fases não são percorridas linearmente e nem todas as pessoas vão atingir a última e mais perigosa fase, onde o indivíduo apresenta grave comprometimento físico, psíquico e social. A pandemia promove um estado de alerta contínuo, que nos conduz ao desgaste devido ao seu caráter crônico e à manutenção do agente estressor. Porém cada ser humano lida com o estresse segundo a sua subjetividade, sua história e seu momento de vida. O elemento estressor não atinge em igual intensidade a todos, mas existem situações socioculturais que respondem por comportamentos e sentimentos de determinada população.

O cotidiano do brasileiro requer convívio social, proximidade, conversas, abraços e beijos. A vida é essencialmente fora de casa, com encontros, música e muito diálogo. Agora, a vivência cultural e a alegria social estão interditadas e confinadas a pequenos espaços e à pobreza nos relacionamentos. Essas mudanças são extremamente estressantes para a nossa sociedade. Talvez assim possamos entender a dificuldade da população e o seu sofrimento perante esse conjunto de normas e regras. Vivem outro cotidiano, outra vida: há um ano em estado de alerta sobre o vírus. Onde ele está? Eu posso estar com ele. Talvez só saiba daqui a uns dias. Mas, nesse momento, soube que não estava, mas posso estar contaminado agora e ainda estar contaminando as pessoas que eu amo. E quando alguém próximo recebe um resultado positivo? Como eu me sinto? Será que fui eu que o contaminei? Se eu saio para trabalhar, posso ter sido eu o culpado. Entre medos e dramas seguem os recortes dos dilemas e das ameaças diárias que vivemos.

Sim, um ano de pandemia, estresse e drama. Mortes por todos os lados, mortes mais próximas e internações. Cada dor de cabeça, tosse ou outro sintoma antes banal pode significar um diagnóstico de internação ou morte. Essa expectativa enfraquece a parte imunológica e nos torna vulneráveis. É um ciclo vicioso realimentado constantemente.

Então, o que fazer?
Não podemos insistir e lamentar pela vida que não podemos viver da forma que vivíamos. Isso não quer dizer que não possamos viver de outra forma. Aliás, fazendo quase tudo que fazíamos, mas usando outros instrumentos mediadores como a tecnologia. Ela não deve ser apenas um instrumento de trabalho, mas também de lazer. As plataformas, as redes sociais, o simples telefone, a música, a arte ou a poesia. Estão todos aí para serem utilizados. Talvez você não irá postar o encontro na festa, mas vai ser criativo para postar situações diferentes. Uma paisagem, a indicação de um livro, a leitura de uma poesia, o comentário de um filme e tantos outros episódios. Aliás, um convite a sairmos do cenário repetitivo e desgastado das redes sociais.

A pandemia é uma crise pessoal e social e convida, como qualquer outra crise, ao crescimento e mudança. A ciência está fazendo a sua parte e cada um de nós precisa encontrar o seu caminho para, juntos, ultrapassarmos esse momento. Não podemos estagnar, pois a humanidade sempre encontrou luz nos momentos adversos. A partir dessas considerações, penso que a pandemia e seus desdobramentos não dependem somente de um vírus, mas da atitude de cada um de nós. A vivência humana está encontrando saídas inteligentes e criativas através do suporte tecnológico e da flexibilidade e capacidade ilimitada de adaptação do ser humano, segundo seu instinto natural de sobrevivência e seus recursos e modelos históricos.